Projecto
NO ALVO
COMPANHIA DE TEATRO DE BRAGA
AVISO:
Por motivos de força maior, o espectáculo NO ALVO não será apresentado no sábado, dia 29 de ABRIL.
SINOPSE
O que está em causa é o próprio Teatro: a Sala, os Artistas e o Público. Parece que os europeus ainda não entenderam até onde nos trouxe a Segunda Guerra. Há hoje uma geração de náufragos nesta Europa, que lutam ferozmente para voltar à tona, sem memória colectiva e com profundo sentido de revanche. São reais, concretos, encantatórios e acreditam que esta Europa pode voltar a ser a sua Europa, a da barbárie.
Personagens asfixiadas em casacas de medo a investirem contra a Cidade. O desamor ou ódio, como estratégia que resta para a sobrevivência.
A Mãe, a Filha, o Escritor dramático, a Criada, não estão apenas sós, uns contra os outros. Eles exibem, também, numa nudez “despudorada” os mecanismos dos cérebros. Num crepuscular “quadro de família” emerge a Figura da Mãe que faz a sua Vida semeando a Morte à sua volta. Ela, que só desejava ver o mar e perceber as marés. Que partiu de mala vazia e para a encher passou por cima de Tudo. Ela, que detestou tanto o marido como adorava ouvi-lo dizer (a despropósito?) ”que tudo está bem quando acaba em bem”. Ele, que pronunciava como ninguém a palavra “fundição” e que com ela teve um Filho, “que ele fez” e que era só “simplesmente horrível”. Nasceu velho e morreu ainda bem novo no berço, donde nunca saiu. Nunca suportaria que fosse conspurcado pela imundície. Sim, a imundície diz ela prolifera por todo o lado, no teatro, na fábrica, nos operários, sim… há 60, há setenta anos “que os trabalhadores triunfam / mas isso ainda os nossos não entenderam / os trabalhadores triunfam / eles têm o caderno na mão / ditam determinam / arruinam-nos completamente… como tu não percebes nada de chá / também não fazes ideia da história do mundo minha filha.” (in No Alvo)
Esta é a minha quarta incursão ao universo Bernhardiano, depois de A Força do Hábito (para o Teatro Experimental do Porto, 1994) e Antes da Reforma (CTB 1999 ) e Simplesmente Complicado (CTB / U.M. 2006). E sempre uma renovada vontade de a ele voltar. É como uma febre que vai e volta.
Rui Madeira
SOBRE O ESPECTÁCULO
E se um dia alguém se salvar mesmo? A propósito da estreia de No Alvo em Portugal pela Companhia de Teatro de Braga, com encenação de Rui Madeira
«A felicidade, creio, está dividida da mesma maneira que a infelicidade, chega a todos. A felicidade é uma coisa relativa. E até o perneta ainda tem felicidade, exactamente porque ainda tem uma perna. E aquele que ainda tem tronco e pode viver, pode ser feliz. Isto prolonga-se até ao fim dos tempos. Talvez seja isso a felicidade. E que a felicidade pudesse ser ainda mais do que aquilo que já é, isso talvez não passe de soberba e seja impossível.» Thomas Bernhard1
Salve-se quem puder. Eis o nome da peça que o Escritor dramático, personagem de No Alvo (1981), de Thomas Bernhard, oferece ao comentário das personagens femininas – Mãe e Filha - da mesma obra. Em causa está um artifício literário de vetustíssima tradição, tanto a oriente como a ocidente, através do qual um acontecimento ou episódio adquire relevância no contexto da acção principal. No caso deste drama de Bernhard, a peça dentro da peça desempenha várias funções, nomeadamente a de pôr em evidência a arte de uma cruel verdade, aquela que se assemelha a um encontro para o qual nós espectadores nos temos vindo a preparar, mas também nós como seres humanos nos estamos sempre a preparar, sabendo embora que nunca ninguém se encontra completamente preparado, se salvou ou salvará, i. e., que ninguém escapa ao destino comum à espécie e à sua natureza, apesar da afirmação individual de cada um e sua diferenciação.
Deixamo-nos atravessar, no presente caso, pela abundância da palavra, disparada em todas as direcções e modelada em diferentes tonalidades, por uma mulher, a Mãe, que paradoxalmente não nos deixa ver (fala em excesso, nunca respira silêncio) a suprema dor misturada com o esgar inextinguível de uma vida a pulso, e que disso faz a sua resposta esbracejante, porque está perdida para o que já só pode estar atrás dela, talvez mesmo fora dela, a sua solidão.
Recebemos a peça dentro da peça não como um bem redentor e explicativo (desse acontecimento teatral recolhemos apenas o aplauso e o reconhecimento superficiais), mas como um sublinhado luciferino que, sem se confundir com a acção principal, nos faz escutar uma melodia comum: Salve-se quem puder.
Por antecipação ascendemos a uma paisagem aberta, antes do final dos finais, aquele que estará bem para lá de qualquer gesto salvífico, sem que nunca esse espaço seja alcançado ou pisado, sem que o anunciado barulho do mar e a sua lonjura nos resgatem para a nossa vida fértil, no aqui e no agora, na terra, nesta vida, neste mundo, a que mal temos tempo de nos habituar. Podemos e até talvez saibamos como encontrarmo-nos uns com os outros, a tal arte da verdade, em renda de malha mais ou menos larga, mantendo a esperança de que alguma vez, uma única vez, possamos acertar no alvo que se nos está sempre a escapar como um canto solitário. Talvez esta seja uma arte, a arte da palavra e da verdade, que já não há, e porque ela está em perda, seja nossa função tudo vencermos com o que temos, conscientes daquilo que nos escapa, e assim criarmos proximidade com aquilo a que chamamos uma terra prometida.
No Alvo de Thomas Bernhard oferece-nos um leque de perspectivas de encontros falhados, de vidas que se cruzam tão só ou quase para que exista um jogo, o jogo da linguagem, em que Escritor, Mãe e Filha se exorcizam num fundo de declínio civilizacional que espelha o que são e não são capazes de fazer aquelas personagens em busca, diríamos, de mínimas vitórias pessoais agilizadas por tudo aquilo que não conseguem fazer.
Este parece ser sem dúvida um enorme desafio para qualquer espectador, e sê-lo-á ainda mais se for tida em conta a estranheza com que se esgotam as forças dos actores em cena, criando de si próprios uma duplicidade imaginada. Arte e verdade só perante os incrédulos são tidas como mortas.
Anabela Mendes (5.4.2015)
1Erika Schmied/Wieland Schmied (2012), Thomas Bernhard – Leben und Werk in Bildern und Texten, St. Pölten – Salzburg: Residenz Verlag, 186.
Sobre Thomas Bernhard | About Thomas Bernhard
Thomas Bernhard nasceu a 10 ou 11 de Fevereiro de 1931, em Heerlen (Holanda), num asilo para “raparigas perdidas” onde a sua mãe fora ocultar este nascimento ilegítimo,. e morreu a 12 de Fevereiro, um domingo de 1989, aos 58 anos de idade. É justamente considerado um dos mais importantes autores germanófilos da segunda metade do séc.XX. Muitas das suas obras (teatro, romance, poesia, contos…) estão publicadas em Portugal. Ler as suas obras é um passo de gigante para a compreensão deste Autor e desta Europa.
“… dizemos: damos uma representação teatral, sem dúvida prolongada até ao infinito…mas o teatro de que esperamos tudo e não somos competentes em nada, tão longe quanto remonta o nosso pensamento, sempre um teatro da velocidade crescente e das réplicas falhadas… é em absoluto um teatro dos corpos, e também do temor do espírito, e portanto do temor da morte…não sabemos se se trata da tragédia ou da comédia, ou da comédia por amor à tragédia… mas em tudo é questão de espanto, de lamentável miséria, de irresponsabilidade… é nisso que pensamos, embora o calemos: quem pensa dissolve, faz de tudo uma catástrofe, destrói, incrimina, pois pensar é a lógica dissolução consequente de todos os conceitos… somos o medo, o medo do corpo e do espírito, o medo da morte, de tudo o que é criador ( e é isso a história e o estado de espírito da história)…
Reivindicamos o direito ao direito, mas não temos direito senão à denegação do direito…”
Thomas Bernhard
in Nunca Acabar Coisa Alguma (1970), excerto de discurso proferido por ocasião da entrega do prémio Buchner em 1970 (Trevas, editora hiena, tradução Ernesto Sampaio).
FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA
autor Thomas Bernhard
tradução Anabela Mendes
encenação Rui Madeira
assistente de encenação António Jorge
elenco Eduarda Filipa, Frederico Bustorff, Sílvia Brito e Solange Sá
cenografia Alberto Péssimo, Jorge Gonçalves
figurinos Manuela Bronze
desenho de som Pedro Pinto
desenho de luz Nilton Teixeira
design gráfico Carlos Sampaio
fotografia Paulo Nogueira
FICHA TÉCNICA CTB
director artístico Rui Madeira
conselho artístico Alexej Schipenko, Ana Bustorff, Anna Langhoff, Manuel Guede Oliva, Rui Madeira
direcção Rui Madeira, Manuela Ferreira, Carlos Feio
secretariado Manuela Ferreira
gestão financeira Vilma Magalhães
elenco André Laires, António Jorge, Carlos Feio, Eduarda Filipa, Frederico Bustorff, Jaime Monsanto, Jaime Soares, Rogério Boane, Rui Madeira, Sílvia Brito, Solange Sá
mediação cultural Iullia Serebriakova
assessoria de comunicação João Vilares
produção e marketing Sara Mesquita
centro de criação de vídeo e som / catenária Frederico Bustorff, Pedro Pinto, Pedro Alpoim
design gráfico Carlos Sampaio
fotografia Paulo Nogueira
equipa técnica de construção e montagem Fernando Gomes (Theatro Circo), João Chelo (Companhia de Teatro de Braga), Alfredo Rosário (TC) Vicente Magalhães (TC), Celeste Gomes (costureira |seamstress, CTB) Olga Shumska (costureira)
director técnico do Theatro Circo Celso Ribeiro
Artistas Convidados em 2016
actores Alexandre Sá, Adrij Kritenko, Mariana Reis
dramaturgo e encenador Abel Neves
cenógrafos Alberto Péssimo, Jorge Gonçalves, Acácio Carvalho
figurinista Manuela Bronze
performer Nils Meisel
DURAÇÃO
110’ (c/intervalo)
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA
M12
125ª PRODUÇÃO do CTB | Ano – 2015