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MOBY-DICK- A partir do romance homónimo de Herman Melville

 

A BALEIA BRANCA

Narrativa de aventuras para alguns, epopeia metafísica para outros, «Moby-Dick», de Herman Melville,

pode ser resumida como a história de uma viagem de caça à baleia, um estudo sobre a obsessão e a

vingança e como estes traços dominantes se tornam a ruína do homem. Uma narrativa fragmentada, em

certo modo, desordenada, dinâmica, entretecendo diferentes modos literários: conto, sátira, drama,

ensaio, enciclopédia, crónica, lírica… Numa primeira fase do texto (e aqui serve-nos tão bem a teoria

cíclica da História tal como foi desenhada por Vico!), acompanhamos o narrador Ismael nos preparativos

para a viagem. É o tempo dos mitos, dos monstros e em que a luz vai rasgando as trevas primordiais.

Naquilo que podemos considerar a segunda parte, um tempo dos heróis, a bordo do navio Pequod, Ismael

abandona o papel central da narrativa e o foco é deslocado para Ahab e para a sua perseguição à Baleia

Branca. E é tão interessante que os heróis desta grande narrativa fundadora dos EUA sejam marinheiros,

arpoadores, ferreiros, cozinheiros, loucos tamborileiros, comandados por um influente capitão

monomaníaco! Num terceiro momento, Ahab parece medir forças com o segundo oficial do Pequod, o

racional e prudente Starbuck. No entanto, no derradeiro andamento do texto, é já inevitável o confronto

destruidor com a Baleia Branca, que terminará de forma caótica, com a morte do Capitão Ahab e de toda a

tripulação do Pequod, à exceção de Ismael. Terminada a saga marítima fica esboçada uma nova viagem (il

ricorso), em que Ismael, num gesto maneirista ao melhor jeito de Shakespeare, é recuperado como

narrador.

A Baleia, indefinida, secreta, ilimitada, mistério e vertigem, acaba por constituir a analogia da própria

obra literária de Melville – e, talvez, também do nosso próprio espetáculo. Ahab é descrito como uma

personagem monomaníaca, figura satânica, guiada por um único objetivo, capaz de vergar tudo e todos

pela paixão que lhe arde no peito, a sede de vingança, a vontade de destruir Moby-Dick. Ahab é um ser

atuante, narcisista, por oposição a Ismael, face a Moby-Dick (objeto-texto-fantasma). Não pensa, apenas

sente, tal como o próprio afirma no início do seu último dia de caça à Baleia. Enquanto Ahab persegue,

ébrio de paixão, o fantasma do seu próprio espírito, Ismael segue-o, distanciado, permitindo que este (o

fantasma-baleia) se revele em toda a sua plenitude. Se para Ahab o mar é a onda que o transporta para o

confronto com Moby-Dick, para Ismael o mar representa as ilimitadas ressonâncias/ cogitações de que a

Baleia se faz eco. Ismael é um narrador consciente do seu papel e, ao contrário de Ahab, faz uma viagem

não contemplativa ou fantasista ao encontro do absoluto (Moby-Dick), para logo o perder, porque nunca

o atinge. Ahab, Ismael e até mesmo Starbuck não são homens sozinhos. Dependem das relações que

estabelecem uns com os outros. O navio Pequod (outra personagem?), à semelhança do Bellipotent em

«Billy Bud» ou o San Dominick em «Benito Cereno», acaba assim por funcionar como pequena «ilha» de

homens perturbados, uma imagem microscópica do mundo como «navio [como palco] numa viagem sem

regresso».

 

O NASCIMENTO DO LEITOR-ESPETADOR

Mas Herman Melville está morto. Isso já todos sabemos. Morreu juntamente com Ahab, Contudo, não é

sobre isso que fala Barthes ao referir-se à «morte do autor». O que ele nos diz é que a morte do autor

permite o «nascimento do leitor». O texto escrito abre-se a novas interpretações, a diferentes leituras.

Recentemente, o teatromosca tem focado o seu trabalho na adaptação de textos narrativos para o palco.

Não nos interessa ilustrar aquilo que não está ilustrado, clarificar o que está na sombra ou desvendar o

que deve permanecer um enigma. Por outro lado, não pretendemos autopsiar cadáveres (o texto está tão

morto como o seu autor!) para, posteriormente, lhes mascarar as feridas e imperfeições. Também não

temos nenhum respeito cerimonioso em relação ao Autor, seja lá ele qual for, até porque sabemos que

também nós morremos a partir do momento em que apresentamos um espetáculo, para que possa nascer

o leitor-espetador. No entanto, deixemo-nos ficar aqui, de volta destes «textos», demoremo-nos um pouco

na sua «leitura» e possa cada um de nós ler aquilo que quiser/conseguir.

 

MEDIADORES DA MORTE

Neste trabalho que temos vindo a traçar (sempre inacabado e imperfeito), os atores – e aqui também os

músicos, os bailarinos e todos os outros que possam habitar a cena com a sua performance –

desempenham a função de mediadores, guiando os espetadores na direção da cena, encantando-os com a

sua performance, deixando ressoar em si os sons que, durante a leitura individual e silenciosa, nos vão

enchendo o cérebro. E, se o texto e o autor estão mortos, os atores (neste caso, o Ruben Jacinto e o Pedro

Mendes) emprestam-lhes a sua carne para que o cadáver (enrugado, pesado, demorado, desequilibrado)

torne a viver.

 

TEATRO E NARRATIVA

Recusando a ideia que um texto (literatura ou não) contém sentido, tratando-se de uma criação em

constante diálogo com os seus recetores, em permanente construção, podemos dizer que na criação

artística existe um «vir-a-ser-sentido». Podemos então falar de significância, de uma espécie de

«performance» de significado. Na introdução ao livro de Roland Barthes, «O Prazer do Texto» (Edições

70), Eduardo Prado Coelho fala da significância como sendo, «num primeiro momento, a recusa de uma

significação única; é o que faz do texto, não um produto, mas uma produção; é o que mantém o texto num

estatuto de enunciação, e rejeita que ele se converta num enunciado». Esta ideia de que os textos iniciam

uma “performance” de significado mais do que formularem significado em si mesmos, e que a palavra nos

transporta mentalmente para além da experiência musical, sonora, é a base essencial para a nossa

abordagem à obra maior do norte-americano Herman Melville.

Neste teatro narrativo em que nos interessa (continuar a) trabalhar, diferentes camadas de ficção vão

sendo introduzidas e geridas pelo atores-narradores, assumindo, de certo modo, o papel de duplo-doautor/

duplo-do-ator, num movimento constante entre a ficção interna da peça (onde a presença do

narrador é motivada e justificada pela ação) e a destruição da ilusão (quando o narrador se dirige

diretamente ao público). O desafio de trabalhar a partir de uma obra tão vasta e complexa (à semelhança

das outras duas que se seguirão) marca o início de um projeto que se deverá prolongar até final de 2015,

a partir de três romances fundamentais da literatura norte-americana («Moby-Dick», de Herman Melville;

«O Som e a Fúria», de William Faulkner; e «Meridiano de Sangue», de Cormac MacCarthy), procurando

elaborar uma reflexão sobre a narrativa e o teatro, o documento e a memória, a ordem e o caos.

 

 

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Texto|Herman Melville Direção artística|Pedro Alves Adaptação|Tiago Patrício Interpretação|Pedro Mendes

(ator) e Ruben Jacinto (músico) Assistência de direção|Mário Trigo Cenografia|Pedro Silva Design gráfico|Alex

Gozblau Direção técnica|Carlos Arroja Vídeo|Raul Talukder Assessoria de imprensa|Joaquim René

Produção|teatromosca Parcerias|Chão de Oliva, Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,

Embaixada dos Estados Unidos da América, Teatro Meridional e Teatro Experimental de Cascais Apoios|Câmara

Municipal de Sintra, 5àSEC, Quorum Ballet, Publimpressão, Actual Sintra, Junta de Freguesia de Agualva – Mira

Sintra, Câmara dos Ofícios e Valter Mergulhão Agradecimentos|Ruben Chama e Mestrinho

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